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Tomada de posse do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa

06 Dez 2024

O dia de uma tomada de posse é um dia de festa para o empossado e para o colégio que o elegeu.

Por ser um dia inicial e por ser um prenúncio de novos tempos.

Hoje inicia funções um novo Presidente do Primeiro dos Tribunais da Relação.

A Relação de Lisboa nasceu com a vitória dos ideais liberais em Portugal que com ela trouxe uma nova organização desconcentrada e equilibrada do Estado.

Antecedeu a criação do Supremo Tribunal de Justiça e, embora a ela sucedendo, traduziu um corte com a velha Casa da Suplicação, tendo sido a primeira luz que se acendeu no firmamento de um novo poder judicial que se queria independente dos demais poderes.

Foi ela a primeira peça de uma nova estrutura judiciária desenhada pelo revolucionário José da Silva Carvalho, num modelo que ainda hoje permanece vigente.

Presidida durante os últimos anos pela Senhora Desembargador Maria Guilhermina Freitas, permitam-me que as primeiras palavras lhe sejam dirigidas.

A Senhora Desembargadora exerceu a Presidência desta Relação com grande serenidade, rigor e prudência, trazendo à Relação de Lisboa a tranquilidade que o momento exigia.

Fê-lo com a descrição, o aprumo institucional e a sensatez que caraterizam o exercício das funções judiciais e que permitem lançar novos projetos e enfrentar importantes desafios.

Alcançado o termo desse mandato, a consciência do dever cumprido e o reconhecimento de que cumpriu a missão de que foi incumbida são, merecidamente, motivo de grande orgulho.

Fazendo também aqui justiça, como é dever de um qualquer juiz, deixo aqui, em representação da comunidade judiciária, a expressão pública de um sincero sentimento de gratidão.

O termo da sua Presidência coincidiu com o fim de um longo e diversificado percurso pelos tribunais, numa dedicação exclusiva à causa pública.

Quero, pois, desejar-lhe as maiores felicidades para esta nova etapa da sua vida, na certeza que os bons amigos sempre se encontram.

Inicia hoje funções como novo Presidente da Relação de Lisboa, o Senhor Desembargador Carlos Castelo Branco, eleito pelos seus pares no passado mês de Dezembro.

Felicito-o, Senhor Presidente, pela sua eleição, sendo para mim um enorme prazer conferir-lhe a posse de tão importante cargo.

Conheci-o nos seus tempos de estágio, na agitação diária do Tribunal de Cascais, então instalado no emblemático Chalet Faial, que entrava pelo mar adentro, debruçado sobre a Praia da Conceição.

Era um tempo em que, alheados do ambiente de veraneio que nos rodeava, num ritmo fenético, tinham lugar meia dúzia de julgamentos coletivos em cada tarde, que terminavam com a penumbra da noite.

Desde essa altura que aprecio a sua inteligência, a sua capacidade de trabalho e a sua permanente disponibilidade.

Essas são as qualidades necessárias para o exercício de um cargo muito exigente e desgastante, em que todos os dias se é chamado a solucionar os problemas mais diversos, numa agenda impiedosa e sem intervalos.

Desde há uns meses que sei bem o que isso é.

Agrava a circunstância dos Presidentes da Relação fazerem tudo praticamente sozinhos, desdobrando-se em inúmeras tarefas de diferente natureza.

Incompreensivelmente, a Presidência dos Tribunais da Relação não dispõe de um gabinete administrativo e jurídico, estendendo-se a falta de meios humanos e de estruturas de apoio aos Senhores Desembargadores que, como é sabido, ainda não dispõem de qualquer serviço de assessoria.

Umas dezenas de anos depois de se ter sido atribuída autonomia administrativa aos tribunais superiores, num sinal do abandono a que tem sido votada a função judicial do Estado, encontram-se ainda por regulamentar os serviços de apoio das Relações.

Uma autonomia administrativa sem meios de ação e desacompanhada de uma autonomia financeira que obriga a uma limitada gestão de mão estendida coloca perigosamente em causa uma verdadeira independência do funcionamento do poder judicial.

Pode dizer-se que o mito do esquecimento do irmão do meio vê reconhecida a sua validação pela realidade vivida na hierarquia dos tribunais.

Num caminho legislativo mais feito de acasos e coincidências do que obedecendo a um plano previamente delineado, os Tribunais da Relação vão sendo progressivamente os detentores da última palavra nos litígios, cuja resolução os cidadãos ou a lei entenderam confiar a um tribunal público independente.

E é esse papel decisivo e final que aos Tribunais da Relação deve ser atribuído, num Estado moderno, em que o tempo não tem tempo e a realidade é sucessivamente ultrapassada por novas realidades.

Se queremos uma justiça eficaz e realizada através de um processo justo e equitativo, o direito ao recurso deve ter uma previsão proporcionada à importância do pleito, sendo, em regra, suficiente uma única reponderação da legalidade e da bondade da primeira decisão.

A intervenção de uma terceira instância deve estar guardada para a definição de linhas orientadoras e para casos de excecional relevância jurídica ou social.

Este modelo há muito instituído na maior parte dos estados europeus, implica uma acrescida responsabilidade para os juízes desembargadores, por serem os prolatores das decisões cujas consequências se vão repercutir na esfera jurídica dos cidadãos.

Tamanha responsabilidade exige que as condições em que os juízes dos tribunais da Relação trabalham se alterem, para que estes tenham uma maior disponibilidade de tempo de reflexão e amadurecimento das suas decisões.

Além da criação de um serviço de assessoria eficaz, é necessário que o poder legislativo repense o âmbito de recorribilidade das decisões judiciais, designadamente, atualizando o valor das alçadas, pesando o seu grau de influência na apreciação do mérito da causa e, sobretudo, revendo o âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, limitando-a à reparação de erros flagrantes cometidos no julgamento efetuado na 1.ª instância.

Permitir, um segundo julgamento na 2.ª instância, sem imediação, com a mesma liberdade de apreciação com que ele foi efetuado na primeira instância, aliado à concessão de um prazo acrescido para a interposição de recurso, é um convite à utilização incontrolada deste tipo de recursos, como se tem verificado, sem que os tribunais da Relação tenham capacidade para os decidir em coletivo.

É por isso urgente uma revisão das leis do processo civil e penal.

Mas não é apenas ao poder legislativo e executivo que compete intervir na melhoria da qualidade do trabalho desenvolvido nas Relações.

Também aos juízes desembargadores que aí trabalham se pede uma reflexão sobre os seus métodos de trabalho e decisão, devendo esta ser uma prioridade da nova Presidência.

A importância de um tribunal cujas decisões, em regra, são definitivas, impõe que as mesmas se apresentem com uma estrutura, uma fundamentação e uma escrita que seja facilmente percetível pelos seus leitores e, sobretudo, pelos seus destinatários.

É recomendável:

– que os acórdãos adotem uma estrutura habitual, seguindo um modelo previamente definido;

– que o relatório se resuma ao essencial, sem transcrição de peças processuais que já se encontram no processo;

– que a fundamentação não se preocupe em, academicamente, esgotar o tema onde se situa o caso a decidir, devendo antes preocupar-se em ponderar as particularidades do caso concreto para melhor explicar as razões da solução que se entende justa;

– que a escrita seja simples e clara e que os conceitos utilizados tenham o mesmo significado nas diferentes decisões proferidas pelo mesmo tribunal.

Não me canso de repetir o que já disse na minha tomada de posse:

Uma decisão de difícil compreensão, seja pela linguagem usada, se for desnecessariamente complexa; seja pela extensão, se for desnecessariamente longa; seja pela forma, se for desnecessariamente labiríntica; é uma decisão menos transparente e que dificulta o seu escrutínio pela comunidade, comprometendo, sem boa razão, a realização da justiça.

Fazer justiça é também comunicá-la eficazmente.

Decisões mais claras, mais concisas, mais dirigidas à resolução do caso concreto são melhores decisões.

Este é um caminho que temos de começar a trilhar rapidamente, alterando o nosso atual figurino de fundamentação das decisões, que há muito foi abandonado ou que nunca foi sequer seguido, quer pelos tribunais de recurso da maioria dos países europeus, quer pelos tribunais internacionais cujas decisões são fonte do nosso direito.

É neste tempo exigente de grandes mudanças que um novo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa assume funções.

O muito que há por realizar nas Relações contará, com certeza, com o empenhado contributo de V.ª Ex.ª, em permanente e profícua articulação com os Presidentes das demais Relações e com o Conselho Superior da Magistratura.

Confiante nas suas qualidades, Senhor Presidente da Relação de Lisboa, desejo-lhe sucesso, sorte, que também é necessária, e as maiores felicidades.

 

Lisboa, 6 de janeiro de 2025

João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

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