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Ouvir e proteger as crianças com pais detidos

30 Jun 2025

É importante que as crianças sejam ouvidas em tribunal, mas é necessário assegurar que estejam reunidas as condições ideais quando se inquire uma criança, desde logo em relação ao ambiente onde a entrevista decorre e à linguagem usada. Na opinião do desembargador Paulo Guerra, que se tem especializado no direito de família e das crianças, as audições a crianças devem ser feitas apenas por quem tem formação específica, e devem estar presentes em simultâneo o juiz de instrução criminal e do juiz de família e crianças nas declarações para memória futura. “A criança não tem se ser incomodada de novo por uma nova inquirição, sob pena do sistema judiciário provocar-lhe um dano acrescido”.

O juiz do Tribunal da Relação de Coimbra participou na IV Mesa Redonda Judicial da COPE – Children of Prisoners Europe, que decorreu no dia 27 de junho do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A COPE é uma rede europeia que trabalha para assegurar os direitos das crianças que têm um progenitor preso. A organização trouxe a Lisboa o tema “Como podem as famílias e os tribunais tornar os direitos das crianças uma realidade durante os processos criminais dos pais?”, numa sessão em que participaram magistrados, procuradores, académicos e defensores dos direitos da criança.

O Presidente do STJ reconheceu que as crianças filhas de pessoas privadas de liberdade enfrentam uma série de dificuldades emocionais, sociais e económicas que na maior parte dos casos são ignoradas pelo sistema de justiça e pela sociedade. Apesar dessa circunstância poder marcar profundamente o desenvolvimento das crianças e limitar as suas oportunidades futuras, João Cura Mariano admite que há uma carência de políticas públicas voltadas especificamente para atender essa população vulnerável.

“São poucos os programas que promovem o fortalecimento de vínculos familiares durante o cumprimento da pena ou que oferecem suporte psicológico e social às crianças afetadas. O sistema prisional, não se encontra preparado para acolher a necessidade de manter laços afetivos saudáveis entre pais e filhos”, disse.

“Os tribunais criminais, os tribunais de família e menores, e os tribunais de execução de penas nem sempre têm presente que a condenação numa pena de prisão efetiva de um pai ou de uma mãe, cuidadores dos seus filhos, afeta sobremaneira o direito das crianças a crescer saudavelmente”, disse ainda o Presidente do STJ, acrescentando ser urgente que “a sociedade, o poder público e o sistema de justiça reconheçam as crianças filhas de pessoas presas como sujeitos de direitos e desenvolvam estratégias integradas para protegê-las”.

Durante a sessão foi possível ouvir o testemunho em vídeo de Mireille Farrugia, uma advogada de 27 anos de Malta, que tinha 7 anos quando o pai foi preso por tráfico de droga. Quando finalmente o pai foi julgado, Mireille já tinha 16 anos e contou que nunca foi ouvida ao longo de todo o processo, algo que para ela e para o irmão, teria sido importante porque os dois foram fortemente impactados pela sentença do pai, que foi condenado a 22 anos de prisão.

Um exemplo do tipo de iniciativa que promove a aproximação entre um pai detido e o seu filho, foi apresentado pelo CASPAE, uma IPSS de Coimbra. O projeto “Jogar com a mamã e o papá” envolveu um grupo de 9 reclusos do Estabelecimento Prisional de Coimbra, a quem foi permitido passar um dia com os filhos e os netos – num total de 17 crianças – na realização de um jogo de corfebol. O diretor de departamento social da instituição, Gonçalo Martins, explicou a preparação necessária para a realização da iniciativa que, no final, impactou de forma positiva as famílias envolvidas.

O Conselheiro Carlos Campos Lobo recordou a sua experiência enquanto juiz no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa e as visitas ao Estabelecimento Prisional de Tires quando ia “visitar” as detidas para avaliar a concessão de saídas precárias ou da liberdade condicional, por exemplo. Recorda que nessas ocasiões passava sempre pela creche da prisão e interagia com as crianças que ali se encontravam. O Conselheiro deixou um recado para os juízes de execução de penas: “A criança também está detida e é não só desejável como exigível, ter atenção a essa criança. É preciso dedicar-lhe alguma atenção”.

Na sessão participaram ainda o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Orlando Carvalho, a Procuradora-Geral Regional de Lisboa, Helena Gonçalves, e João Manuel da Silva Miguel, Conselheiro jubilado e ex-diretor do CEJ que foi também agente do Estado junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Da parte da COPE, estiveram presentes David Mackie, Juiz Reformado da Escócia, e a diretora de projeto Paula Akyol, que explicou que a organização conta com 146 membros, entre autoridades públicas, ONGs e indivíduos, sobretudo na Europa, mas também de outras partes do mundo, como a Argentina. “Tentamos colocar os direitos destas crianças nas agendas políticas europeias e internacionais. Somos pessoas que acreditam na mudança”.

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