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Comemoração 70º aniversário do Palácio da Justiça de Bragança

09 Nov 2022

Cabe-me, em primeiro lugar, felicitar o Senhor Juiz Presidente da Comarca de Bragança, Dr. João Miguel Praia, pela realização desta cerimónia de celebração dos 70 anos do Palácio de Justiça de Bragança e agradecer-lhe o convite.

Estarmos aqui hoje, 70 anos depois da data da inauguração desta Casa da Justiça, representa para todos nós, além de um momento de celebração conjunta, o reconhecimento da importância deste edifício na vida coletiva desta região.

Bragança é uma comarca do interior de Portugal que cobre uma extensa área geográfica e que congrega 15 Juízos, 4 dos quais de proximidade, distribuídos pelos municípios de Bragança, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Freixo de Espada à Cinta, Vimioso e Vinhais.

A todos os magistrados, oficiais de justiça e funcionários que exercem funções nesta comarca, envio uma calorosa saudação, à qual junto o sincero agradecimento por todo o labor e empenho na administração da justiça.

 

Excelências:

Este Palácio da Justiça foi inaugurado em 11 de junho de 1952 pelo então ministro da Justiça, Manuel Cavaleiro de Ferreira, também ele um bragantino.

Do denso e brilhante discurso que nessa altura proferiu, retiro três linhas de pensamento que se ajustam ao que hoje quero transmitir.

Por isso, as retomo, em modesta reflexão.

As palavras, as ideias, a ação.

Sobre as palavras, dizia o Ministro Cavaleiro de Ferreira:

“Desconfio também algum tanto das palavras. Quase sem querer, as palavras tornam-se causa única doutras palavras e como que deslizam agradavelmente, de motu próprio; vagueiam então algures, através do acidental e transitório, perdido o contacto com o essencial e permanente” – fim de citação.

O que mais temos no nosso quotidiano são palavras.

Edificantes ou ácidas, verdadeiras ou falsas, as palavras servem geralmente para exercícios de retórica, perdidas do essencial.

Palavras, muitas palavras, a propósito de tudo e de nada, com eloquentes emissores, mas frequentemente desligadas do que é verdadeiramente importante para a vida dos portugueses.

Palavras que fertilizam outras palavras, em respostas, desmentidos, tentativas de contextualização e interpretação, numa torrente de inutilidades que desembocam num imenso vazio interrompido pelo surgimento de mais palavras, mais respostas, mais desmentidos, mais contraditório a propósito de um qualquer outro tema fugidio.

Das ideias, dizia o Ministro:

“As ideias, embora válidas por si mesmas, não são dotadas de força; permanecem como que em quietude, iluminando o caminho, mas incapazes de atuar por virtude própria. Vivem desde que trasladadas para a vida real dos homens, desde que unidas às finalidades da sua ação, às tarefas da sua atividade criadora. O espírito só se realiza pela ação”. – fim de citação.

As ideias são mais importantes do que as palavras, embora destas precisem para se imporem.

Existem ideias, recomendações, projetos para aperfeiçoar o modo como se realiza a Justiça e para dotar os tribunais de melhores condições de funcionamento.

Tudo traduzido em palavras, em reuniões, em relatórios.

Mas, como dizia o Ministro Cavaleiro de Ferreira, as ideias não caminham sozinhas, por si mesmas.

O destino das ideias pode ser o mesmo das palavras: o vazio.

As palavras e as ideias só fazem verdadeiro sentido se tiverem consequências, ou seja, se alguém concretizar o que delas emana.

É precisamente aqui que entra a terceira linha de pensamento: a ação.

Cavaleiro de Ferreira introduz este outro elemento a partir do reconhecimento das dificuldades financeiras do Estado central e da necessidade de encontrar apoios para a renovação do parque judiciário.

 

Dizia ele:

“Há longos anos já, o Ministério da Justiça cobrou ânimo para extrair da tradicional penúria das dotações dos tribunais o bastante para colaborar com as Câmaras Municipais na renovação das instalações judiciais” – fim de citação.

Esta colaboração foi devidamente enaltecida no discurso de inauguração, regozijando-se o Ministro pela ação desenvolvida em conjunto pelo Ministério da Justiça e pela autarquia de Bragança para a edificação do Palácio da Justiça, e classificando esta obra como património da vida coletiva,  dotada de grande valor social.

Chego, enfim, ao ponto que visava.

 

Por muitas palavras que se digam ou tenham dito (douradas com elementos estatísticos, como sempre convém), por muitas ideias que se tenham construído, apesar de algumas ações que se tenham empreendido, há uma constatação que não pode ser desmentida: a degradação do património edificado da justiça atingiu níveis inaceitáveis, em resultado da contínua falta da atenção por parte dos responsáveis e do sistemático desinvestimento na preservação, restauro e remodelação desses imóveis.

As situações de degradação dos tribunais tornaram-se mais rastreáveis após a reforma judiciária de 2013.

De facto, fruto dessa reforma, os juízes presidentes das 23 comarcas passaram a elaborar e a apresentar ao Conselho Superior da Magistratura relatórios sobre o estado do edificado.

Os relatórios apresentados no ano de 2021 dão-nos um retrato francamente negativo do estado em que se encontram os tribunais de que o Estado é proprietário e das condições extremamente precárias dos espaços onde magistrados, advogados e funcionários exercem as suas funções.

Todos os dias há notícias de tetos a ruir, infiltrações, falta ou ineficiência dos sistemas de segurança e climatização, falta de estruturas para acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida, instalações sanitárias em estado deplorável, etc.

Não se pode acudir a tudo ao mesmo tempo? Sim, é verdade!

Os recursos financeiros do Estado são limitados?  Sim, é verdade!

Mas alguma coisa tem de ser feita.

Afinal de contas, as dotações para a Justiça durante o regime do Estado Novo eram bem reduzidas, mas, apesar disso, os melhores edifícios da Justiça foram construídos nessa altura e são os que, ainda hoje, constituem o património arquitetónico mais valioso e mais digno.

Os tribunais prestam um serviço fundamental para a vida dos cidadãos.

Os edifícios onde é feita a Justiça são baluartes do poder judicial e sinal da presença do Estado na sua função de garantir a todos o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Por isso, quem neles trabalha merece um espaço digno, com razoáveis níveis de conforto e funcionalidade.

Essa a razão pela qual, há 70 anos, a autarquia de Bragança teve um papel decisivo na construção deste belo Palácio da Justiça, de inegável centralidade para esta região e de grande préstimo para as suas gentes.

Ontem como hoje, as autarquias devem constituir-se parceiros privilegiados do Estado central na resolução dos inúmeros problemas do edificado na área da Justiça, porque será também do seu interesse que os respetivos territórios estejam dotados de edifícios que assegurem as melhores condições aos munícipes na prestação do serviço da Justiça.

As palavras serão úteis se transmitirem ideias e se estas, depois, se materializarem em realizações.

É de realizações que a Justiça precisa.

 

Bragança, 9 de novembro de 2022

​Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

 

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