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Intervenção na inauguração do Museu do Conflito, Museu Judiciário do Tribunal da Relação do Porto

18 Abr 2024

Hoje é um dia especial para o Tribunal da Relação do Porto, para todos os que aqui trabalham ou trabalharam.

E, para mim, é um dia especialíssimo, pelo privilégio de poder inaugurar o Museu do Conflito.

Quero, por isso, manifestar o mais profundo agradecimento ao Senhor Presidente deste Tribunal, Desembargador José Igreja Matos, por me ter proporcionado esta subida honra.

O Museu do Conflito é muito mais do que o repositório de peças e documentos da longa e prestigiante história do Tribunal da Relação do Porto.

É um espaço que, não deixando de celebrar a memória judiciária e da cidade do Porto, permite dialogar sobre o presente e sugere perspetivas sobre o futuro coletivo.

A ideia museológica assenta num conceito abrangente de conflito, possibilitando leituras e interpretações sobre disputas de origem diversa e com grau variável de tensão.

O conflito, enquanto desacordo ou divergência relativamente a princípios, causas, valores ou interesses, existe desde os primórdios da Humanidade, constituindo permanente fator de perturbação na convivência dos homens, sociedades e civilizações.

Atravessa todos os setores da sociedade, todo o tipo de pessoas e classes sociais, todas as atividades humanas.

Daí a sua natureza pluridimensional, daí a sua universalidade.

Desenvolve-se numa dinâmica de afirmação do antagonismo entre pessoas, entidades, organizações ou nações e fundamenta-se em meras razões da vida corrente dos cidadãos, empresas ou entidades, ou em causas mais complexas de natureza territorial, religiosa, política, económica ou ideológica.

Os conflitos de consequências mais graves ocorrem geralmente em contextos conjunturais de crise e com âmbito geográfico alargado.

Curiosamente, este Museu é inaugurado num tempo de grande instabilidade mundial, devido à multiplicidade de conflitos de carácter regional que proliferam em várias latitudes.

Hegel dizia que aprendemos muita História, mas aprendemos muito pouco com a História.

A realidade atual está aí para comprovar o acerto desta frase.

De facto, muito do que vemos acontecer nos conflitos armados, latentes ou já em execução, tem um lastro histórico de situações mal resolvidas ou incompreendidas pelas partes envolvidas.

As próprias organizações internacionais com responsabilidade na manutenção da paz e da segurança dos povos, ao incorrerem, também, nessas falhas de aprendizagem sobre ocorrências pregressas, desperdiçam a sua função preventiva, abrindo espaço ao sobreaquecimento das tensões e à escalada da violência entre nações.

Sendo estes os conflitos que suscitam sempre mais preocupação e que requerem uma ação pedagógica permanente de combate à intolerância e à violência, outros há, de menor gravidade, que afetam o bem estar familiar ou profissional das pessoas, a paz social ou o normal funcionamento de entidades ou instituições.

Nestes casos, quando falham os meios de resolução informal, os desavindos buscam os meios legais de reconhecimento e proteção dos interesses em confronto, através da intervenção de uma instância judicial.

De tudo isto nos fala este Museu.

Dos conflitos mais graves, internacionais e nacionais que já ocorreram ou que ainda podem eclodir e dos travados nas instâncias judiciais, designadamente os que ficaram gravados na já longa história desta instituição; das causas, motivações ou consequências desses mesmos conflitos; das possibilidades de antecipação de cenários de crise conflitual e da sua prevenção.

A importância deste Museu para o judiciário, para a cidade, para todos os que o visitarem é, sobretudo, a de assinalar e ensinar que o conflito, sendo um fenómeno natural e sempre presente na vida, não tem de ser extremado, não deve ser pontuado pela violência, intolerância ou decapitação dos princípios e valores, não deve, nunca, constituir a regra na convivência social, mas ser, antes, a sua mais ínfima exceção.

Continuará a ser utopia a construção de uma sociedade à semelhança da que idealizava Thomas More.

Mas temos de tentar, todos os dias, melhorar o nível de relacionamento entre as pessoas, numa base de concórdia, tolerância e respeito pelo interlocutor.

Este Museu do Conflito convoca-nos para essa tarefa, que é, aliás, uma obrigação dos que lutam por uma sociedade e um mundo melhores.

Excelências:

Não foi fácil concretizar este notável feito cultural.

De facto, foi preciso porfiar muito.

Por isso, permitam-me que invoque a minha qualidade de Presidente Emérito do Tribunal da Relação do Porto para saudar todos os meus Colegas Presidentes Eméritos deste Tribunal, que ao longo de vários anos também porfiaram para esta realização.

E saudar, claro está, o atual Presidente, Desembargador José Igreja Matos, que com a sua mestria, dinamismo e extraordinário sentido institucional conseguiu ultrapassar as derradeiras barreiras e oferecer a todos esta oportunidade.

Não posso também deixar de enaltecer, em todo este processo, o papel relevantíssimo da Drª Vera Medeiros.

Foi ela a verdadeira curadora do valioso património museológico deste Tribunal, conservando-o, estimando- -o e divulgando-o de forma absolutamente entusiástica e inspiradora.

O Museu do Conflito da Relação do Porto, com a configuração conceptual que lhe foi dada, é, mais uma vez, uma inequívoca demonstração de que a cidade do Porto e a sua principal instituição judicial estarão sempre na vanguarda da defesa dos valores da liberdade, da tolerância, da paz e da democracia.

Inaugurar este espaço a uma semana de se completarem 50 anos da Revolução de Abril confere acrescido significado simbólico a este acontecimento e reforça o compromisso na defesa desses valores de que a cidade do Porto é porta-estandarte.

Muito obrigado!

Porto, 18 de abril de 2024

Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

 

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