Hoje é um dia diferente, em circunstâncias especiais.
Quarenta juízes da 1.ª instância tomaram posse no Salão Nobre do Poder Judicial.
Mas os juízes do 38.º Curso do CEJ, fruto de circunstâncias excecionais, não assumem hoje, pela primeira vez, como é tradição nestas tomadas de posse no Supremo Tribunal de Justiça, o exercício em pleno das funções judiciais.
Já o fizeram há alguns meses, quando terminaram a sua fase de formação, tendo então sido colocados, transitoriamente, em tribunais conjunturalmente necessitados de um reforço de juízes.
Prestaram aí funções de uma exigência elevada e de grande utilidade.
Terminada essa fase excecional, de modo a não perpetuar nos cursos seguintes este trajeto de emergência, não serão colocados nos denominados tribunais de 1.º acesso, tendo, aliás, muitos optado por continuar a desempenhar funções de socorro em tribunais de elevada complexidade.
Este trajeto inesperado, cuja repetição não é desejável, é motivado pela preocupante falta de magistrados judiciais, em resultado de um número crescente de aposentações dos magistrados judiciais, num sinal de um envelhecimento da classe.
Apesar desta entrada, com contornos excecionais, no mundo dos tribunais, os juízes deste curso manifestaram o desejo de tomarem posse no Supremo Tribunal de Justiça, como se hoje fosse o dia inicial do seu compromisso com a Justiça.
Pelo vosso sacrifício essa ficção desejada não vos podia ser negada, pelo que aproveito este ato solene para vos agradecer o serviço público que prestaram nos tribunais onde desempenharam funções.
Atrevo-me agora, com consciência que arrisco quando discurso para uma geração distante, a dizer-vos algumas palavras sobre o exercício do poder judicial e a quem nele se iniciou há muito pouco tempo.
É isso que se espera num ato de juramento de quem iniciou funções há muito pouco tempo.
O exercício da magistratura não é apenas a aplicação de uma lei escrita e aprovada pelos outros poderes do Estado.
É compreender que, por detrás de cada processo, existe uma história humana.
A neutralidade que vos é exigida não significa indiferença, mas sim a capacidade de ouvir todas as partes com igual atenção e respeito, filtrando emoções para que apenas a razão jurídica prevaleça.
Recordem sempre que o poder que agora vos é confiado não é vosso. É um poder delegado pelo Povo e que deve servir a comunidade.
É por isso que a humildade, será uma das vossas maiores virtudes.
Um juiz que escuta, que pondera e que se questiona é um juiz mais justo.
Resistam à tentação das respostas fáceis e mecânicas.
Não sejam uns simples burocratas, escondidos atrás de um computador.
São titulares de um órgão de soberania que tem por função corrigir e apaziguar os desvios e conflitos de uma sociedade que se pretende organizada.
Haverá momentos em que a lei será clara e outros em que o caminho parecerá nebuloso.
É nesses últimos instantes que a prudência, a ponderação e o estudo minucioso serão os vossos melhores aliados.
Sejam firmes na aplicação da lei, mas sensíveis ao contexto humano.
Lembrem-se de que a vossa independência é também uma responsabilidade: exige coragem para decidir quando a Justiça assim o impõe, e firmeza para não ceder a pressões externas, por mais subtis e poderosas que sejam.
Nunca se esqueçam que comunicar bem também é fazer justiça.
O direito deve ser compreensível para quem o procura. Por isso, façam do uso de uma linguagem clara e acessível uma regra de ouro.
Uma decisão que ninguém entende perde força, por mais correta que seja.
Explicar de forma simples não diminui a autoridade; pelo contrário, reforça-a e aproxima o tribunal dos cidadãos.
Vivemos também numa era em que a inteligência artificial começa a surgir como uma ferramenta de apoio em todas as funções.
Utilizem-na, quando útil, mas com prudência.
A tecnologia pode ajudar a organizar informação ou acelerar tarefas, mas nunca substituirá o vosso julgamento, a vossa sensibilidade e a vossa consciência ética.
Nenhum algoritmo sente o peso de uma decisão nem compreende a complexidade ética de um caso.
A última palavra deve ser sempre vossa. O controle da narrativa da fundamentação de uma qualquer decisão tem que ser vosso, como expressão de um julgamento humano.
O traje que hoje vestem não é um adorno.
É um símbolo. Representa a imparcialidade, a integridade e a serenidade que se espera de vós.
Honrem-na todos os dias, mesmo quando ninguém vos estiver a observar, porque é nesse silêncio solitário que se mede a verdadeira ética de um juiz.
Que a vossa vida profissional seja pautada pelo estudo constante, pelo respeito inabalável pelos direitos fundamentais, pela clareza no dizer e pela prudência no uso da tecnologia.
Façam sempre do poder judicial uma força tranquila, compreensível e transparente.
Assim poderão, no fim de cada dia, saber que cumpriram com lealdade o juramento que hoje fizeram de contribuírem para a construção de uma sociedade justa.
Estas palavras, hoje por mim proferidas num tom e num ritmo próprio de quem dá conselhos, não tiveram essa pretensão.
São avisos à navegação com um suporte no passado e num olhar sobre o presente, mas sem qualquer garantia de validade no futuro.
Será a vossa atenção às novas realidades em acelerada mutação que ditarão o tempo que elas farão sentido na vossa memória.
Neste dia feliz e único, resta-me desejar-vos a melhor sorte e os maiores sucessos que serão também os daqueles que por vós serão julgados.
Desejo-vos um bom ano judicial.
Lisboa, 05 de setembro de 2025
João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
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