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Discurso do Presidente do STJ na Cerimónia da Tomada de Posse do Presidente da Relação de Évora, Desembargador Acácio das Neves

17 Jan 2018

1. Cumprimento Vossas Excelências neste acto solene, que nos reúne para celebrar a inauguração do mandato do presidente do Tribunal da Relação de Évora, Senhor Desembargador Acácio das Neves.

Felicito-o, Senhor Presidente, pela confiança com que os seus Pares o distinguiram, elegendo-o para desempenhar esta missão tão relevante e prestigiante ao serviço da Justiça e dos cidadãos, e permita-me que lhe diga do imenso privilégio que tenho e a honra que sinto em presidir a este acto.

2. As instituições vivem na construção permanente ao encontro do futuro, no espaço simbólico da afirmação externa da substância da sua missão.

Os tribunais são, porventura, as instituições da República em que a sobriedade dos actos e a configuração ritual dos espaços ficam estreitamente ligados à superior dignidade da função que a Constituição lhes confiou.

A celebração do início do mandato do presidente do tribunal da Relação de Évora tem, na sobriedade da cerimónia, um imenso significado que dá corpo e densidade à formalidade ritual.

E na passagem de testemunho constitui também um momento de expressão do dever de reconhecimento.

Por isso, quero deixar uma saudação muito especial ao Senhor Desembargador Joaquim Chambel Mourisco, tributando-lhe o sentimento de imenso respeito pela inexcedível dedicação, elevada competência e modernidade criadora com que exerceu o mandato que hoje termina.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,

3. Os tribunais da Relação constituem instituições fundamentais da administração da justiça em Portugal.

Foram, durante séculos, os tribunais de última instância, nos quais, na formulação das Ordenações Filipinas, «as causas de maior importância se apuravam e decidiam».

A importância histórica das Relações esteve sempre bem presente como tribunais de justiça, e de construção da jurisprudência na competência para produzir «Assentos», que até à Lei da Boa Razão constituíam decisões vinculativas para os restantes tribunais.

A reforma liberal de 1832 confiou aos tribunais da Relação uma posição primordial, que se foi consolidando com a garantia do amplo e efectivo direito ao recurso como segundo grau de jurisdição, previsto hoje como direito fundamental, directamente por via da inscrição na Constituição em matéria penal, ou por constituir um elemento integrante da natureza equitativa do processo – due process.

A posição central nas competências plurais de segunda instância em matéria de facto e de direito, é, devemos reconhecer, a mais difícil de ocupar.

Difícil, em particular, neste tempo saturado de complexidade, em que as contingências da evolução histórica entre a estabilidade e a aceleração nos colocaram.

A missão dos tribunais da Relação constitui a pedra angular na conjugação necessária da justiça de cada caso com as construções da jurisprudência.

A intervenção jurisprudencial afina critérios, desvenda caminhos, densifica a lei e forma doutrina, mas sempre com a responsabilidade de prevenir fragmentações, que causam dano sistemicamente pouco compatível com a segurança jurídica.

A função dos tribunais da Relação exige, por isso, grande rigor, informação adequada, enorme experiência e imensa responsabilidade.

4. Julgar – sabemo-lo – é uma missão que se vai construindo contra a angústia, na razão e na inteligência emocional, e há-de procurar a adesão para criar confiança; não poucas vezes, será obra paciente de reconstrução no meio de um campo de ruínas.

Na reflexão do juiz Denis Salas, a Justiça, sentida no evitamento da injustiça como necessidade elementar do ser humano, é também laboratório de pluralismo social, no encontro dos equilíbrios entre práticas culturais que é necessário não destruir nem estigmatizar.

Na contemporaneidade, interagimos com uma infinidade de contextos incompatíveis, com pluralismos, contingências, complexidade e diferenciação.

A queda da estabilidade dos conceitos, a irrequietude do direito e a fragilidade das referências regulativas tomou o campo de todas as incertezas; mas as incertezas não podem ter respostas se não for num modelo de princípios normativos.

Guardador dos princípios, imerso num sistema de direito que se exprime sobretudo na lei, o juiz deve intervir na construção e reconstrução permanente da ordem jurídica, por meio de jurisprudências discretas que preparem as mentalidades para aceitar as mutações jurídicas adaptadas aos modos plurais de vivências das sociedades contemporâneas.

Nessa intervenção, tem de ser auxiliado por um pensamento de rigor, leituras conjugadas, sobriedade na linguagem que evite o ruído, e tendo como guia o primado do princípio da proporcionalidade como constituinte do valor de Justiça.

Neste contexto, os tribunais da Relação estão hoje, e vão estar cada vez mais, numa posição crucial no encontro da pluralidade das situações que têm de enfrentar, reveladas na evolução das sociedades, nos costumes e nas expectativas, sendo actores, através da mediação hermenêutica, na contribuição decisiva para o desenvolvimento e actualização do direito.

Na função de tribunais de recurso de primeiro grau, assumem também a proximidade, temperada com a temporalidade que dá a distância que reequilibra o tempo das emoções.

Na passagem entre a lei e a vida, a função jurisprudencial dos tribunais da Relação será ainda mais decisiva num tempo de acomodação de imperativos de racionalidade de meios, que desde há uma dezena de anos reordena a experiência europeia, em que o regime de recurso para os Supremos Tribunais vai ficando submetido a vários mecanismos de filtragem mais ou menos apertados.

5. A Justiça é, e continuará a ser, a instituição referencial e o código de acesso da democracia contínua, de exercício permanente e de todos os dias, assegurando a efectividade da participação democrática de todos e de cada um na determinação e definição dos seus direitos.

Mas, nas contingências do momento institucional que vivemos, os tribunais da Relação defrontam-se com sérias dificuldades que revelam a difícil coordenação entre a intenção e a coerência dos modelos e a força dos factos.

Umas de natureza conjuntural, embora de conjuntura temporalmente desgastante; outras também relevam de discutíveis concepções estruturais sistémicas.

Refiro, em breve, apenas algumas.

– A desadequação do actual modelo de acesso dos juízes aos tribunais da Relação, que, para além de se revelar pesado e desproporcionado na execução, nada acrescenta na substância, no resultado e no equilíbrio, quando confrontado com a simplicidade curricular essencial, mas bastante, do regime antecedente;

– O sistema de recurso em matéria de facto, cujos méritos ou deméritos não foram ainda devidamente avaliados, e que torna particularmente difícil o seu exercício nos tribunais da Relação, sem que possamos ter elementos para a leitura da razoabilidade dos resultados; o fim da colegialidade na primeira instância há duas décadas constituiu um erro tremendo, porventura hoje sem forças para redenção;

– A necessidade de mais precoce e maior intervenção dos tribunais da Relação no contencioso sancionatório das contra-ordenações, particularmente no mais grave em função das sanções e consequências, que é originado no exercício em extensão crescente de funções materialmente jurisdicionais por entidades administrativas.

Senhor Presidente:

6. Neste mesmo lugar, em outra circunstância, tive a feliz oportunidade de poder referir que o Tribunal da Relação de Évora é uma instituição de referência nos tribunais superiores que deu uma nova dimensão judicial a um território merecedor da presença de instituições relevantes do Estado, acrescenta valor simbólico à extraordinária riqueza histórica da cidade, aproxima uma instância de recurso de populações que estimam a proximidade dos tribunais; contribui para racionalizar o serviço, reequilibrando o território judicial com a economia e a demografia, mantém a escala humana que a justiça deve conservar, e tem consolidado um prestígio jurisprudencial que enriquece a cultura jurídica e judicial portuguesa.

Disponibilizando-se para esta missão de serviço, Vossa Excelência inicia o mandato que os seus Pares lhe confiaram na presidência deste Tribunal num tempo que nos interpela na intensidade do dever.

Reconheceremos todos, por isso, que os desafios são imensos.

Mas Vossa Excelência, com o seu saber e esclarecida inteligência, a força das convicções, a superior competência, a dedicação e o elevado espírito de missão, vai superar os desafios, para bem do Tribunal da Relação de Évora e dos cidadãos a quem devemos o cumprimento da obrigação de justiça.

Faço calorosos votos do maior êxito no exercício do mandato.

(António Henriques Gaspar)

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