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III Jornadas a Sul do Direito Civil e Processual Civil

03 Nov 2023

– Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Évora

– Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados

– Magnífica Reitora da Universidade de Évora

– Senhoras e Senhores Magistrados Judiciais e do Ministério Público

– Senhoras e Senhores Advogados

– Distintos Convidados

– Minhas Senhoras e Meus Senhores

 

Quero começar por agradecer o convite que me foi dirigido pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Conselho Regional de Évora da Ordem dos Advogados para participar nesta sessão de abertura das III Jornadas a Sul do Direito Civil e Processual Civil.

Évora acolhe a realização destas III Jornadas no ano em que se completa meio século da instalação do seu Tribunal da Relação.

Repito a palavra de reconhecimento, expressa na sessão solene que decorreu no dia 3 de outubro no Palácio Barahona, a todos os que, nestes 50 anos de bom serviço à Justiça portuguesa, construíram a imagem de distinção e prestígio associada ao Tribunal da Relação de Évora.

 

Senhores Magistrados

Senhores Advogados

Minhas Senhoras e Meus Senhores

 

Tal como nas edições anteriores, os temas que vão ser debatidos nestas Jornadas são de grande atualidade e interesse.

Desde a exploração de novas perspetivas na área da responsabilidade civil até às inquietações e questionamentos sobre a inteligência artificial, passando pelas problemáticas ligadas à proteção de dados, às garantias processuais e à prova digital, e percorrendo ainda questões mais específicas da jurisprudência dos tribunais superiores, estas III Jornadas, que contam com a participação de distintos palestrantes, serão, com toda a certeza, um sucesso.

Permitam-me umas brevíssimas notas em redor dos dois temas que aqui serão debatidos ligados à transformação digital: a inteligência artificial e a proteção de dados.

A evolução das tecnologias informáticas e digitais é tão rápida que, quando pensamos que temos as soluções para as compreender e  integrar de modo regulado na vida da sociedade e na prática judiciária, logo somos surpreendidos por tecnologias ainda mais sofisticadas que nos impõem maiores desafios.

Por sabermos que este movimento evolutivo não vai parar, não podemos saltar etapas, ou seja, não podemos deixar espaços em branco na reflexão e ação.

Temos de aceitar e estar disponíveis para o compromisso sisifiano do recomeço, acompanhando a par e passo os avanços da modernidade tecnológica e procurando as respostas adequadas ao que de novo aparece.

Respostas que, para o que aqui importa, se colocam principalmente em dois níveis: o da previsão e regulamentação das novas dimensões em que se fazem projetar na vida das pessoas as alterações causadas pela utilização da inteligência artificial, designadamente no que diz respeito à responsabilidade civil, à proteção dos direitos de personalidade e também, muito particularmente, à área do direito laboral; e o da prática judiciária, através da introdução racional e prudente das novas ferramentas tecnológicas nos modelos de funcionamento da atividade forense e, em especial, dos tribunais.

Neste último nível, há um limite inultrapassável: a inteligência artificial não pode substituir o juiz.

Este princípio está bem sublinhado na Carta Europeia de Ética sobre o uso da inteligência artificial em sistemas judiciais.

O ato de julgar é um ato eminentemente humano, na medida em que o processo decisório de litígios envolve, além do domínio das técnicas de interpretação e aplicação da lei, outras competências cognitivas e emocionais.

As ferramentas de inteligência artificial, como por exemplo as destinadas a melhorar a investigação jurídica, podem, contudo, ajudar em larga medida a atividade judicativa, contribuindo para encurtar os tempos de decisão e dotar o sistema de justiça de maior eficiência.

Nos tribunais do espaço europeu, a inteligência artificial ainda está a dar os primeiros passos, não havendo uma utilização em grande escala.

Mas, como é inevitável o seu rápido incremento, temos de nos preparar para definir os limites da sua aplicação.

 

Já que falo na utilização da inteligência artificial na prática judiciária, permitam-me que manifeste o meu completo desagrado pela forma como está a ser feita a distribuição eletrónica de processos nos tribunais.

Ao regulamentar a Lei 55/2021, de 13 de agosto, a Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, previu, no seu preâmbulo, que de acordo com as regras instituídas por aquela Lei passa a ser necessário reunir diariamente, em todos os locais onde ocorre distribuição, um conjunto de operadores da justiça para assistir ao ato da distribuição.

O legislador escolheu com critério e precisão o verbo adequado: realmente, todos os dias, nos vários tribunais do país, um juiz, um magistrado do Ministério Público e um oficial de justiça reúnem-se numa sala para assistir ao ato da distribuição.

 

Quem faz a distribuição dos processos?

O Ministério da Justiça, através do algoritmo criado pelos seus serviços.

Sendo o ato de distribuição um ato processual quem deveria realizá-lo era o respetivo tribunal e não o Ministério da Justiça.

Esta intromissão nas competências do poder judicial, em nítida violação do princípio da separação de poderes, é, afinal, uma extensão ou consequência da continuada postura de domínio e controlo pelo Ministério da Justiça das plataformas eletrónicas de tramitação processual.

Insisto na ideia de que deverá ser o Conselho Superior da Magistratura a deter a gestão dessas plataformas, porque só assim ficará assegurada a devida transparência processual e cumprido o princípio constitucional da separação de poderes.

A outra breve nota que queria deixar diz respeito à matéria da proteção de dados, designadamente na parte em que esta se relaciona com a utilização de ferramentas digitais e de inteligência artificial.

O Supremo Tribunal de Justiça desenvolveu uma ferramenta de anonimização das decisões judiciais que está preparada para tratar dos dados pessoais, segundo os critérios de anonimização aprovados pelo Conselho Superior da Magistratura e em completa observância dos princípios e normas do Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD).

No passado dia 4 de outubro, o Supremo Tribunal de Justiça e o Conselho Superior da Magistratura assinaram um protocolo que permite estender o uso desta ferramenta às decisões judiciais da 1ª instância, facilitando, deste modo, a sua imediata publicitação com os dados pessoais anonimizados.

Também em relação à matéria de proteção de dados, é gratificante o reconhecimento europeu de que Portugal está na vanguarda quanto aos esforços para alinhar a sua legislação com os princípios e finalidades do RGPD.

O Conselho Superior da Magistratura trabalha, neste momento, em conjugação com os outros tribunais superiores e a Procuradoria-Geral da República, uma proposta de alteração da Lei 34/2009, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial, visando a atualização e conformidade desse diploma com o RGPD, que lhe é bem posterior, pois apenas entrou em vigor em maio de 2016.

Uma das alterações a propor passa pela criação de um organismo específico, independente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, para controlo das operações de tratamento de dados efetuadas pelos órgãos jurisdicionais, em ordem ao cumprimento do considerando 20 desse regulamento e sem o mínimo risco de afetação da independência dos tribunais no âmbito da sua atividade judicial.

A esse organismo competirá a apreciação de reclamações apresentadas pelas pessoas ou entidades que se sintam lesadas pelas operações de tratamento de dados pessoais efetuadas pelos tribunais no exercício da função judicial.

Contrariamente à forma displicente como algumas entidades públicas encaram esta problemática da proteção de dados, o Conselho Superior da Magistratura e os tribunais têm olhado com muita atenção para esta matéria.

Seria, aliás, incompreensível que assim não fosse.

O direito à proteção de dados assume importância máxima e tem subjacente a proteção de outros direitos fundamentais, numa relação de interioridade constitutiva, para usar a expressão da Professora Mafalda Miranda Barbosa.

Com efeito, como defende esta ilustre académica, o acesso a dados pessoais pode implicar lesão dos direitos à privacidade, à igualdade, à imagem, à identidade pessoal e à autodeterminação informacional.

Por isso, saúdo a inclusão deste tema tão atual e importante no programa destas III Jornadas.

Faço votos de que este seja um dia de proveitoso trabalho.

Muito obrigado!

Évora, 3 de novembro de 2023

Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

 

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